Autor:
Olivan Liger
Encontramos
na teoria do desenvolvimento infantil de Freud, o termo “ perverso
polimorfo” para designar um estágio infantil constitutivo comum no
desenvolvimento, no qual o bebê busca a satisfação imediata de
suas pulsões, almejando sempre um estado de prazer. Esta busca está
fundamentada pela organização libidinal das zonas erógenas. Num
primeiro momento do desenvolvimento, o mundo é introjetado pela
boca: lamber, morder, sugar são formas costumeiras de obtenção do
prazer na fase oral de desenvolvimento.
A
partir daí, o bebê vai descobrindo novas formas de prazer como o
olhar e o sorriso da mãe, a qual a criança contempla extasiada, o
toque da mãe: o prazer de ser olhado e de olhar, de ser tocado e de
tocar.
Sob
a égide de relações dicotômicas caracterizadas pela
exclusividade, a mãe é somente do bebê e para ele. Quando a mãe
direciona seu olhar e atenção para outro objeto, a relação
exclusiva de inclusão se transforma em exclusão, aquilo que era
extremamente prazeroso se transforma subitamente em desprazer. As
relações do bebê são operadas de forma narcísica e
auto-referente, se posicionando no centro e desprezando o outro
enquanto desejante, posicionando o como objeto para o seu prazer.
Esta
forma primordial de operar suas relações faz do bebê, para Freud,
o perverso polimorfo. Perverso por considerar somente a satisfação
de seu desejo. A diversidade de formas no qual o prazer é obtido
designa a terminologia “polimorfo”. Nesta posição perversa
polimorfa repousa a base de construção do perverso adulto.
No
continuum de desenvolvimento, esta fase deve ser superada e novas
formas de relação deverão destituir a posição primordial
perversa polimorfa.
A
mãe, que até então estava mergulhada na ilusão de completude
narcísica junto ao seu bebê vai retomando a sua vida de mulher, de
esposa e dona de casa ou de profissional, iniciando um processo de
afastamento penoso para o bebê, que vai se dando conta de não ser o
falo da mãe e da existência de outro(s) que entram na ciranda das
relações. Para Lacan, é o momento de entrada no primeiro tempo do
Édipo. Para Freud, o bebê está lidando com sua agressividade
direcionada à mãe na vivência da etapa sádico-canibal da fase
oral.
É
neste instante que instala-se a função ética no bebê, quando
passa a sentir temor de perder o amor e o afeto da mãe. Essa função
servirá para a base de fundação do supereu mediante o advento do
recalque.
Podemos
inferir que a entrada do pai na relação até então dual e o
consequente interdito por esse operado se dá sem uma única ação
ou palavra do pai. A presença psíquica do terceiro (o pai) se faz
pelo afastamento da mãe e pela percepção de que a mãe tem alguém
mais a quem ela ama: o pai. O interdito é um ato simbólico que dá
marco de entrada da metáfora d'O Nome do Pai, que por homofonia na
língua francesa pode significar “o nome do pai” ou ainda “ o
não do pai” (nom-du-pére).
A
metáfora d'O Nome do Pai marca a entrada no complexo edípico
através da circulação do falo, da
introdução
da lei, da cultura e da civilização, marca também a definição
das estruturas psíquicas na psicanálise. A posição de perverso
polimorfo encontrará a frente uma mãe idealizada, detentora de um
falo próprio, que no seu discurso e olhar destitui o pai de
autoridade. O pai, nessa relação é um resignado, ausente e
impotente/omisso diante da mãe/esposa castradora.
Toma
o cenário edípico uma defesa primitiva, a Verleugnung
(denegação, recusa, desmentido). O pai fraco, destituído da função
paterna do interdito tem a sua fala e ação aceita aparentemente,
mas desafiada e transgredida todo o tempo.
O
pai não tem o falo, se o tem está encoberto pela posição fálica
materna. Porém, chegará o momento de confronto com a castração da
mãe. Se essa criança aceitar a castração materna, terá que
aceitar o falo paterno através do seu interdito, portanto para
denegar o interdito paterno, a mãe precisa se manter na posição
fálica.
Objetos
tais como roupas, roupas íntimas, sapatos, bolsas, partes do corpo
da mãe servirão como proteção asseguradora da manutenção da
posição de mãe falicizada. Desta forma, a castração materna é
negada e o olhar da criança fixado nos objetos de anteparo à visão
do corpo castrado da mãe serão tomados posteriormente como objetos
do fetiche do perverso.
Se
o recalque provindo do interdito paterno e da castração define a
estrutura neurótica e fará com que o sujeito busque sua
erogeneidade numa figura feminina que o remeta à mãe, o mesmo não
acontece na perversão. O perverso buscará o seu prazer nos objetos
e nas partes do corpo da mãe projetando-o ao longo da sua história.
Por ter aceito a castração simbólica de forma a flexibilizá-la
diante de suas conveniências e prazeres, o perverso preserva a
relação eu-prazer na sua existência, não havendo lugar para o
outro, o qual só poderá existir enquanto objeto de seu prazer. A
relação incestuosa passa a ser incluída no repertório de prazeres
infantis, sustentada pela cumplicidade materna.
Para
o perverso, perder o seu estatuto de singularidade e unicidade é
algo insuportável, por isto recusa a castração a todo custo. O ato
sexual é sempre algo conhecido e repetido que denota um imaginário
erótico pobre.
Com
relação ao superego do perverso, não houve a consolidação dessa
instância, pois sem o recalque, toda a introjeção das leis morais
e civilizatórias foram seriamente prejudicadas. A lei possível ao
perverso é a lei externa. Por medo de ser punido, tentará conviver
com a lei, desafiando e transgredindo a de tempos em tempos, na
surdina, burlando assim, a possibilidade da punição e reafirmando
para si mesmo o seu estatuto de não castrado.
Cabe
sempre ressaltar a diferença do perverso e da estrutura perversa.
Traços perversos podem aparecer nas estruturas neuróticas e
vice-versa. O espectro da estrutura perversa pode alcançar uma
variedade de nuances que vão desde uma simples pré-disposição às
perversões à psicopatia, caso este de perversão maligna extremada.
Mas, como Freud afirmou em 1905: todas as pessoas impõem
determinados atos perversos na obtenção do prazer sexual, sem
necessariamente estar sob os domínios da perversão. Podemos ampliar
essa afirmação para diversos outros aspectos da nossa vida: da vida
privada à vida pública, temos sempre uma ou outra atitude que
denota uma certa perversidade, ainda que caibamos no estatuto da
neurose.
Comumente,
vemos uma gama de perversos “legítimos” na contemporaneidade,
juntamente com outras patologias narcísicas. A variedade de não
neuróticos tende a se igualar com os “ legítimos” neuróticos.
Depois do advento da psicanálise de Lacan, ampliou-se o terreno dos
perversos.
O
perverso da contemporaneidade escala o poder para assegurar sua não
castração, na sua maioria.
O
poder assegura o seu estatuto de majestade perversa polimorfa. Quem
nunca cogitou a idéia de tratar-se de um perverso quando se depara
com notícias de corrupção, abuso de poder e crimes de colarinho
branco? O perverso, ao desafiar a lei, impõe ao outro que seja
cúmplice, vítima ou testemunha de sua transgressão. Muitas das
ações que vemos no dia a dia são neuróticos, que num ambiente
propício, onde a lei é denegada, são influenciados pelo poder do
perverso, transgridem a lei como cúmplices e acabam como alvo de
noticias e punições, enquanto o perverso se entrega ao prazer com o
seu sadismo e a afirmação do seu poder. Por outro lado, vemos casos
que um mesmo indivíduo se envolve sequencialmente em escândalos
como abuso de poder entre outros. Ao
longo da história do indivíduo, pode se enumerar diversos eventos
que denotam claramente a perversão, muitas vezes no tênue limite da
psicopatia.
Podemos
observar hoje a perversão de uma perspectiva macro; de instituições
perversas até nações perversas que designam nações menos
desenvolvidas como objetos utilitários para a manutenção do seu
poder. Recentes reportagens contam da prática de espionagem dos
Estados Unidos da América imposta a países menos desenvolvidos ou
não tão recente, sobre a devastação de países do Oriente Médio
pelos Estados Unidos, em prol da primazia bélica.
A
falência d´O Nome do Pai que abre espaço para a falicização da
mulher pode ser um dos fatores que incorrem numa maior incidência de
perversões e atuações perversas na contemporaneidade, assim como a
prática do hedonismo, a cultura narcísica, a inversão dos valores
éticos e morais, o princípio de entropia no qual todo discurso é
válido são características da pós modernidade que acabam por
criar um terreno fértil para a perversão.
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