terça-feira, 3 de setembro de 2013

SOBRE AS PERVERSÕES




Autor: Olivan Liger
 
 
Encontramos na teoria do desenvolvimento infantil de Freud, o termo “ perverso polimorfo” para designar um estágio infantil constitutivo comum no desenvolvimento, no qual o bebê busca a satisfação imediata de suas pulsões, almejando sempre um estado de prazer. Esta busca está fundamentada pela organização libidinal das zonas erógenas. Num primeiro momento do desenvolvimento, o mundo é introjetado pela boca: lamber, morder, sugar são formas costumeiras de obtenção do prazer na fase oral de desenvolvimento.
A partir daí, o bebê vai descobrindo novas formas de prazer como o olhar e o sorriso da mãe, a qual a criança contempla extasiada, o toque da mãe: o prazer de ser olhado e de olhar, de ser tocado e de tocar.
 
Sob a égide de relações dicotômicas caracterizadas pela exclusividade, a mãe é somente do bebê e para ele. Quando a mãe direciona seu olhar e atenção para outro objeto, a relação exclusiva de inclusão se transforma em exclusão, aquilo que era extremamente prazeroso se transforma subitamente em desprazer. As relações do bebê são operadas de forma narcísica e auto-referente, se posicionando no centro e desprezando o outro enquanto desejante, posicionando o como objeto para o seu prazer.
 
Esta forma primordial de operar suas relações faz do bebê, para Freud, o perverso polimorfo. Perverso por considerar somente a satisfação de seu desejo. A diversidade de formas no qual o prazer é obtido designa a terminologia “polimorfo”. Nesta posição perversa polimorfa repousa a base de construção do perverso adulto.
No continuum de desenvolvimento, esta fase deve ser superada e novas formas de relação deverão destituir a posição primordial perversa polimorfa.
A mãe, que até então estava mergulhada na ilusão de completude narcísica junto ao seu bebê vai retomando a sua vida de mulher, de esposa e dona de casa ou de profissional, iniciando um processo de afastamento penoso para o bebê, que vai se dando conta de não ser o falo da mãe e da existência de outro(s) que entram na ciranda das relações. Para Lacan, é o momento de entrada no primeiro tempo do Édipo. Para Freud, o bebê está lidando com sua agressividade direcionada à mãe na vivência da etapa sádico-canibal da fase oral.
É neste instante que instala-se a função ética no bebê, quando passa a sentir temor de perder o amor e o afeto da mãe. Essa função servirá para a base de fundação do supereu mediante o advento do recalque.
Podemos inferir que a entrada do pai na relação até então dual e o consequente interdito por esse operado se dá sem uma única ação ou palavra do pai. A presença psíquica do terceiro (o pai) se faz pelo afastamento da mãe e pela percepção de que a mãe tem alguém mais a quem ela ama: o pai. O interdito é um ato simbólico que dá marco de entrada da metáfora d'O Nome do Pai, que por homofonia na língua francesa pode significar “o nome do pai” ou ainda “ o não do pai” (nom-du-pére).
A metáfora d'O Nome do Pai marca a entrada no complexo edípico através da circulação do falo, da
introdução da lei, da cultura e da civilização, marca também a definição das estruturas psíquicas na psicanálise. A posição de perverso polimorfo encontrará a frente uma mãe idealizada, detentora de um falo próprio, que no seu discurso e olhar destitui o pai de autoridade. O pai, nessa relação é um resignado, ausente e impotente/omisso diante da mãe/esposa castradora.
 
Toma o cenário edípico uma defesa primitiva, a Verleugnung (denegação, recusa, desmentido). O pai fraco, destituído da função paterna do interdito tem a sua fala e ação aceita aparentemente, mas desafiada e transgredida todo o tempo.
O pai não tem o falo, se o tem está encoberto pela posição fálica materna. Porém, chegará o momento de confronto com a castração da mãe. Se essa criança aceitar a castração materna, terá que aceitar o falo paterno através do seu interdito, portanto para denegar o interdito paterno, a mãe precisa se manter na posição fálica.
Objetos tais como roupas, roupas íntimas, sapatos, bolsas, partes do corpo da mãe servirão como proteção asseguradora da manutenção da posição de mãe falicizada. Desta forma, a castração materna é negada e o olhar da criança fixado nos objetos de anteparo à visão do corpo castrado da mãe serão tomados posteriormente como objetos do fetiche do perverso.
Se o recalque provindo do interdito paterno e da castração define a estrutura neurótica e fará com que o sujeito busque sua erogeneidade numa figura feminina que o remeta à mãe, o mesmo não acontece na perversão. O perverso buscará o seu prazer nos objetos e nas partes do corpo da mãe projetando-o ao longo da sua história. Por ter aceito a castração simbólica de forma a flexibilizá-la diante de suas conveniências e prazeres, o perverso preserva a relação eu-prazer na sua existência, não havendo lugar para o outro, o qual só poderá existir enquanto objeto de seu prazer. A relação incestuosa passa a ser incluída no repertório de prazeres infantis, sustentada pela cumplicidade materna.
 
Para o perverso, perder o seu estatuto de singularidade e unicidade é algo insuportável, por isto recusa a castração a todo custo. O ato sexual é sempre algo conhecido e repetido que denota um imaginário erótico pobre.
 
Com relação ao superego do perverso, não houve a consolidação dessa instância, pois sem o recalque, toda a introjeção das leis morais e civilizatórias foram seriamente prejudicadas. A lei possível ao perverso é a lei externa. Por medo de ser punido, tentará conviver com a lei, desafiando e transgredindo a de tempos em tempos, na surdina, burlando assim, a possibilidade da punição e reafirmando para si mesmo o seu estatuto de não castrado.
 
Cabe sempre ressaltar a diferença do perverso e da estrutura perversa. Traços perversos podem aparecer nas estruturas neuróticas e vice-versa. O espectro da estrutura perversa pode alcançar uma variedade de nuances que vão desde uma simples pré-disposição às perversões à psicopatia, caso este de perversão maligna extremada. Mas, como Freud afirmou em 1905: todas as pessoas impõem determinados atos perversos na obtenção do prazer sexual, sem necessariamente estar sob os domínios da perversão. Podemos ampliar essa afirmação para diversos outros aspectos da nossa vida: da vida privada à vida pública, temos sempre uma ou outra atitude que denota uma certa perversidade, ainda que caibamos no estatuto da neurose.
Comumente, vemos uma gama de perversos “legítimos” na contemporaneidade, juntamente com outras patologias narcísicas. A variedade de não neuróticos tende a se igualar com os “ legítimos” neuróticos. Depois do advento da psicanálise de Lacan, ampliou-se o terreno dos perversos.
O perverso da contemporaneidade escala o poder para assegurar sua não castração, na sua maioria.
O poder assegura o seu estatuto de majestade perversa polimorfa. Quem nunca cogitou a idéia de tratar-se de um perverso quando se depara com notícias de corrupção, abuso de poder e crimes de colarinho branco? O perverso, ao desafiar a lei, impõe ao outro que seja cúmplice, vítima ou testemunha de sua transgressão. Muitas das ações que vemos no dia a dia são neuróticos, que num ambiente propício, onde a lei é denegada, são influenciados pelo poder do perverso, transgridem a lei como cúmplices e acabam como alvo de noticias e punições, enquanto o perverso se entrega ao prazer com o seu sadismo e a afirmação do seu poder. Por outro lado, vemos casos que um mesmo indivíduo se envolve sequencialmente em escândalos como abuso de poder entre outros. Ao longo da história do indivíduo, pode se enumerar diversos eventos que denotam claramente a perversão, muitas vezes no tênue limite da psicopatia.
 
Podemos observar hoje a perversão de uma perspectiva macro; de instituições perversas até nações perversas que designam nações menos desenvolvidas como objetos utilitários para a manutenção do seu poder. Recentes reportagens contam da prática de espionagem dos Estados Unidos da América imposta a países menos desenvolvidos ou não tão recente, sobre a devastação de países do Oriente Médio pelos Estados Unidos, em prol da primazia bélica.
 
A falência d´O Nome do Pai que abre espaço para a falicização da mulher pode ser um dos fatores que incorrem numa maior incidência de perversões e atuações perversas na contemporaneidade, assim como a prática do hedonismo, a cultura narcísica, a inversão dos valores éticos e morais, o princípio de entropia no qual todo discurso é válido são características da pós modernidade que acabam por criar um terreno fértil para a perversão.

 


 

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